Queimando Alexandria
“Que Deus nos ajude a vencermos nossa tolice...”
Às vezes paro para refletir sobre algumas coisas e fico impressionado em ver como a Bíblia se aplica perfeitamente às mais diferentes situações e debates da atualidade.
No segundo semestre de 2019 [não me lembro o mês específico] li o famoso livro Fahrenheit 451, na mesma época ouvi pela primeira vez a música Alexandria, do cantor e compositor Tiago Iorc; imediatamente relacionei as duas temáticas.
A canção é uma clara reflexão sobre a alienação coletiva e desprezo pelo conhecimento, vejamos dois trechos, sendo o primeiro o refrão e o segundo uma das ultimas estrofes da excelente canção:
Falando demais, alto demais
Vamos atrás de um pouco de paz
[...]
A gente queima todo dia
Mil bibliotecas de Alexandria
A gente teima antes temia
Já não sabe o que sabia
No refrão quando o cantor fala de pessoas falando demais, com tempo demais e alto demais, claramente vemos uma referência às falas impensadas e sem o menor fundamento, movidas por paixões ou ideias que a pessoa desconhece a origem; reflexão essa que aparece já nos primeiros versos: “Não tiro a razão de quem não tem razão [...] Não dou razão a quem perde a razão”.
Já na estrofe que destacamos se faz uma reflexão sobre a destruição da cultura, algo que sempre existiu; é interessante lembrar a história da destruição da biblioteca de Alexandria, essa não se deu em um único ato de barbárie, mas sim após várias invasões e investidas um grande incêndio a destruiu. O compositor com sua sagacidade percebe que estamos no mesmo caminho, pensamos saber quando não sabemos e desprezamos, “queimamos” a principal fonte de conhecimento que são os livros.
E quanto ao livro citado? Em Fahrenheit 451, brilhante distopia escrita por Ray Bradbury, publicada em 1953, o autor nos leva a um futuro não muito distante de sua época (que seria aproximadamente a terceira década do presente século XXI) em que os bombeiros passaram a provocar incêndios ao invés de combate-los; contudo tais incêndios possuem um único objetivo: destruir os livros.
Provavelmente o leitor que não teve a oportunidade de ler a obra citada deve estar imaginando que tal atrocidade ocorre pela imposição de um governo tirânico; lamento informar, mas não. A destruição dos livros se dá exatamente em resposta a uma tendência da sociedade em desprezar tudo que incomodava e trazia qualquer tipo de angustia ou sofrimento, as pessoas se distraiam com a telas enormes que exibiam ininterruptamente uma programação cujo objetivo era apenas o entretenimento, satisfazendo uma busca continua e desenfreada pela felicidade.
Parece-me que se o autor trocasse as telas enormes que cobriam as paredes das casas – casas essas que eram a prova de fogo, por isso se podia queimar os livros a vontade – pelos aparelhos eletrônicos de uso pessoal (smartphones, PC’s e tablets) ele teria acertado em cheio.
E o que a Bíblia tem com isso? Ora, no livro de Provérbios, o rei Salomão atrela em vários de seus aforismas a sabedoria ao conhecimento e coloca como tolo aquele que despreza o conhecimento, dizendo que o tolo não tem prazer no conhecimento, mas sim em expor o que pensa[1], mesmo sem embasamento algum.
Infelizmente a tolice na tradição judaico cristã não é uma opção, mas uma condição, como nos lembra o pastor Jonas Madureira em seu livro Inteligência Humilhada. Como todo pecado, nascemos inclinados a ele, portanto a pergunta não é o que nos faz tolos; mas como saímos dessa condição? Essa luta não é fácil! Como é mais fácil e prazeroso assistir a adaptação do romance para o cinema; ou assistir o documentário ao invés de ler sobre a ciência; ou simplesmente assistir/ouvir um discurso tolo, sem fundamento e repeti-lo igual a um papagaio, ao invés de estudar para termos embasamento para opinar.
Como disse Nelson Rodrigues: “Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos". Até parece que o livro se baseou nesse pensamento[2]. Que Deus nos ajude a vencermos nossa tolice para que possamos parar de queimar Alexandria.
[1]Provérbios 18.2 Não toma prazer o tolo no entendimento, senão em que se descubra o seu coração.(A.R.C.)
[2] Sei que seria anacronismo, pois Nelson Rodrigues escreve posteriormente a publicação de Fahrenheit 451
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